terça-feira, 6 de agosto de 2013

a dimensão onírica nos filmes de david lynch

O Drama nas Cidades Pequenas 

Em termos do ambiente do local onde se passa a trama, Lynch tem uma aparente atração por meios reduzidos. Quando temos informação acerca das cidades que envolvem a ação, essas revelam-se quase sempre com uma população bastante diminuta - aldeias ou vilas. 

Esta escolha evidencia um gosto por particularidades. Em meios reduzidos, é possível e muito mais credível demonstrar personalidades específicas que sejam únicas devido a determinadas características (e é muito fácil retratar a maioria da população). Por exemplo, na série Twin Peaks, a cidade do mesmo nome tem uma população de 5120 habitantes, e ao longo da série ficamos familiarizados com várias personagens, sendo todas relevantes para o percurso da história. A escolha por retratar meios com populações reduzidas prende-se com a singularidade e com o mito. Associa-se muitas vezes o mistério e a estranheza a meios fechados e pequenos (ou porque guardam o segredo entre si ou porque criam lendas que o sustenha) - essa associação é totalmente vulnerável à criação de uma dimensão onírica. 






A música

A banda sonora dos filmes de Lynch é também de extrema relevância para a criação do ambiente onírico. O realizador trabalha usualmente em parceria com o compositor Angelo Badalamenti, que compôs a banda sonora dos filmes em consideração.

(...)
Na série Twin Peaks, Badalamenti fez um trabalho especialmente extraordinário. Todo o carácter sensual do filme, nomeadamente representado pelas personagens femininas Laura Palmer, Audrey Horne e Donna Hayward, ou pelo carácter misterioso do Black Lodge (...) é enquadrado com a cooperação da música instrumental. Por exemplo, a música Dance of the Dream Man representa evidentemente a sensualidade e o devaneio (...).


(...) em Blue Velvet o caso é especialmente curioso, pois a música mais representativa deste tem o próprio título do filme. A música Blue Velvet, de Bobby Vinton, aparece no início do filme enquadrando uma cena de calma e posteriormente de presságio. Esta música aparece várias vezes ao longo do filme, e é inclusive cantada pela personagem de Isabela Rossellini (...). Esta música tem também um poder mágico e envolvente, referindo tantas vezes as palavras “veludo azul” que somos também remetidos para um ambiente de sensualidade (...).

Em Mulholland Drive a música mais característica é uma adaptação da música Crying de Roy Orbinson. Para o filme, foi feita uma versão em espanhol chamada Llorando e foi interpretada por Rebekah Del Rio. (...) tem uma letra muito triste e descreve um final de um relacionamento que não está de todo esquecido (...). É um dos momentos mais marcantes e mais bonitos do filme, onde se vê a mágoa da cantora e das personagens principais. Em termos simbólicos, esta cena significa a dor de Diane (representa o seu estado sentimental), que apesar de estar a sonhar não consegue esquecer o facto de ter perdido alguém que amava. 

Em Lost Highway, destaca-se a banda Rammstein, aparecendo duas músicas desta: uma com o nome da própria banda e outra chamada Heirate Mich. (...) Este tipo de música encaixa na perfeição nas cenas em que aparece. Apesar de ser a banda preferida de David Lynch, o carácter agressivo das suas músicas contextualizam perfeitamente as cenas onde aparecem: ou em contexto de agressividade e confusão, ou em cenas de sexo e orgias (...). Tratando-se o filme de uma confusão interior, a música consegue retratar aquilo que é suposto o espectador sentir: a intensidade e obscenidade. 

(...) no filme Wild at Heart, a música mais característica é a Wicked Game, de Chris Isaak. Esta música aparece durante as viagens de carro noturnas de Lula e Sailor (...). É uma música (...) romântica, com um toque muito especial de fantasia. Devido à sua letra, a música representa, por um lado, a enorme paixão que paira entre o casal e abrange ainda os problemas que a relação pode provocar (um excesso de amor e desejo pode provocar ações impetuosas: “It's strange what desire will make foolish people do”); e por outro lado, em consenso com o ritmo, representa a dimensão onírica. Palavras como fogo, sonho, estranho ou despedaçar representam um universo fantasioso. É esse universo que as cenas onde a música aparece pretendem representar: a paixão e a sua debilidade, o mundo estranho onde vivemos. 





Cortinas encarnadas 


A existência de cortinas encarnadas nos filmes de David Lynch é conhecida por todos aqueles que seguem o realizador. É possível encarar este elemento como uma das mais fortes características cinematográficas. Aparece nos filmes Lost Highway, Mulholland Drive, Blue Velvet (embora com uns tons de azul, é percetível que as cortinas são encarnadas) e na série Twin Peaks. 


O encarnado tem vários significados, contudo, os mais adequados nos filmes de Lynch quer vão no sentido da paixão, perigo, mistério, desconhecido. 
As cortinas servem, originalmente, para combater a claridade - a sua presença combate a luz e a bondade. As cortinas aparecem muitas vezes em salas fechadas que nem sequer têm janelas. A sua função é, por vezes, envolver o espaço e torna-lo impenetrável, reservado, misterioso e quase sufocante, e por outras criar um ambiente sensual e apaixonante. 
Também podemos encontrar outra função nas cortinas: a função plástica, da atuação, mentira. (...) as cortinas que usualmente aparecem são muito parecidas às cortinas que os teatros possuem. Assim, a presença delas pode também querer marcar uma dimensão (...) de fingimento/falsidade. 


Em termos de dimensão onírica, as cortinas encarnadas aparecem sempre num contexto de mistério, ilusão, memória, ou mesmo sonho. A própria cena em que aparecem dá-lhes o significado onírico. Por exemplo, no filme Mulholland Drive, as cortinas, embora apareçam também em quartos, são mais notórias nas cenas em que aparecem numa sala escura com um homem no centro, sentado numa poltrona. Essas cenas fazem parte do sonho de Diane e esse homem representa a chefia do ato de assassinato. Assim, as cortinas apresentam-se mais uma vez  num ambiente claustrofóbico, de impotência e alucinação. Na série Twin Peaks a presença das cortinas é também frequente, principalmente porque existe um espaço específico onde a decoração é constituída apenas pelas cortinas e um chão a preto e branco, padronizado. Tem o nome de Black Lodge e, sendo um local extra dimensional, representa igualmente o devaneio usualmente retratado pela sua presença.


 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

1995. 2004. 2013.

Romances.


Não consigo deixar de preferir o mais irreal. 

I'm a delusion angel,

I'm a fantasy parade.

Richard Linklater, a obra da tua vida.